*Por Marco Antônio Ballejo Canto

O município de Hulha Negra tem, como marco referencial, a construção da estação ferroviária, em 1884, em torno da qual se formou a comunidade, inicialmente batizada de Rio Negro, nome este alterado na década de 40.

O episódio mais marcante ocorrido na região, no século passado, foi à batalha do Rio Negro, durante a revolução federalista, na qual morreram aproximadamente trezentos combatentes, trinta deles degolados. Este fato, a degola, é o que mais tem sido motivo de comentários a respeito deste episódio. Consta que dez mil combatentes, federalistas e republicanos, durante sete dias travaram uma batalha no local. A Revolução Federalista de 1893 foi um deprimente episódio da história gaúcha, uma conflagração com a finalidade política de acabar com as pretensões monarquistas de retomar o poder num estado em que este sistema de governo tinha a simpatia da maioria da população.

Os métodos sangrentos usados tinham o objetivo da intimidação, porém a Degola do Rio Negro, como ficou conhecida, foi uma desforra pessoal entre líderes. Conta a história que invadida a fazenda de Zeca Tavares, um dos líderes vitoriosos da batalha do Rio Negro, por Maneco Pedroso, foi deixada sobre sua cadeira uma cabeça de porco e um bilhete no qual estava escrito: Tua cabeça será minha. Esta a razão da desforra que deu margem à Degola do Rio Negro, às margens da Lagoa da Música. Esta é apenas uma versão dos supostos fatos.

A pecuária e as charqueadas eram as atividades econômicas preponderantes no início do século e até o final dos anos 30, tendo sido substituídas pelo Frigorífico, hoje Pampeano, implantado pelo empresário José Gomes Filho, um dos mais empreendedores empresários de Bagé em todos os tempos. O final dos anos 30 ficaram marcados pela implantação da indústria cerâmica, liderada por João e Segundo Deiro e pela implantação da Estação Experimental, pelo governo do estado, hoje Fepagro.

Dois livros do escritor Pedro Waine narram estórias de Hulha Negra do final do século passado, primeiras décadas deste século, sem grande compromisso com os episódios históricos. Os livros “Lagoa da Música” e “Charqueadas”, contudo, apresentam um excelente perfil de uma época, do comportamento e da vida da sociedade.

Foi por volta de 1915 que chegou a Hulha Negra o empresário Pedro Rabbione Sacco, que se estabeleceu com comércio e passou a intermediar a produção da região até a metade da década de quarenta, quando faleceu, em especial se atendo ao comércio e à agricultura. Financiava o abastecimento das residências, os insumos para a produção durante todo ano e recebia, após a colheita, o pagamento. No livro que marca os 25 anos da colonização alemã foi considerado melhor que o Banco do Brasil para o desenvolvimento da região por quase três décadas.

A colonização alemã, datada de 1925, através de produtores rurais vindos de Pelotas, liderada pelo agrônomo Francisco Krensinger, introduziu nova atividade econômica, a agricultura. Escolheu a região, segundo Francisquinho Kloppenburg, “por ter terra boa, por ser perto da cidade de Bagé e, por fim, por ter estrada de ferro, que garantia o transporte da produção, que era muito importante naquela época. Não existiu uma organização imobiliária. Cada colono que chegava tinha que se virar para achar um pedaço de terra. Foi então que se espalhou a colônia, o que dificultou a criação da Igreja, colégio, etc. Em 1930, foram fundados a primeira escola e o cemitério. Em 1934, foi fundada a escola que teve como professor Reinaldo Bohn e hoje é a Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Manoel Lucas de Oliveira”.

Na década de 40 foi criada a Cooperativa Tritícola Assis Brasil, que prestou serviços até a metade dos anos 80 e cuja estrutura hoje é utilizada pelo Centro Comercial, Rodoviária, Ginásio de Esportes. Podemos citar, entre os expoentes na sua implantação, Francisco Kloppenburg e Jaime Brasil, época esta na qual o trigo era a cultura preponderante e a pesquisa coordenada pelo pesquisador geneticista Ywar Beckmann realizada na Estação Experimental da Secretaria da Agricultura, implantada no município em 1929 (atualmente Centro de Pesquisa de Diversificação Agropecuária do FEPAGRO).

Alguns relatos afirmam que o carvão já era explorado no século XIX. O certo é que foi explorado até o final dos anos 40, início dos anos 50. O carvão deu ao município o nome “Hulha” e a expressão “Negra”, por ser muito escuro, e é um dos potenciais existentes para exploração futura.
Na primeira metade do século, também deixaram suas marcas no município, como educadora, a professora Dalva Conceição Medeiros, na saúde o farmacêutico Amado da Silva, Laudelino da Costa Medeiros como escrivão e na política João Loguercio, vereador que, em 1950, foi Presidente da Câmara Municipal de Vereadores de Bagé e Álvaro Lopes Brasil, vereador e subprefeito.

Foi na metade dos anos 50 que ocorreu o retorno a região daquele que se tornou o idealizador e principal organizador do processo da criação do município, Hugo Canto, após mais de quinze anos fora, quando morou em Salvador e Rio de Janeiro, tendo sido expedicionário da FEB na Segunda Guerra Mundial. Hugo Canto (Hugo do Canto, ao registrar, o pai, Antônio Antunes do Canto retirou o “do”) era natural de Uruguaiana e chegou a Hulha Negra com a família no início dos anos 30, vindo de Hamburgo Velho-Novo Hamburgo, sendo o pai agente da Viação Férrea. Integrou-se rapidamente à comunidade, fossem brasileiros ou descendentes de alemães, pois em Hamburgo Velho havia estudado no Colégio São Jacó e falava, ao chegar no município, o português e com alguma fluência, o alemão. Ainda guri tornou-se amigo de Francisco Krensinger.

Os anos 60 marcaram o início da luta pela emancipação de forma organizada, a implantação da Cooperativa de Eletrificação Rural Rio Negro, posteriormente fundida à Cooperativa de Eletrificação Rural Colônia Nova, dando origem à COOPERSUL, já na década de 70, e a implantação da primeira escola de primeiro grau completo, o Ginásio Comercial Rio Negro, em 1968, através da Campanha Nacional dos Educandários Gratuitos, depois Campanha Nacional das Escolas da Comunidade. Destacaram-se nestes dois últimos episódios, respectivamente, Francisco Kloppenburg e Bruno Petry. Em 1961 foi fundada a Escola Monteiro Lobato, então escola estadual, que teve como primeira professora diretora Dila Vieira Ramos. Como educadores nos anos 70, Elga Clara Langer Freimuller e João Silva, entre outros.

No final dos anos 50, nos anos 60 e 70 o ensino voltado para o setor da agropecuária tinha no município como propulsor o Centro de Treinamento de Mecanização da Lavoura, onde atualmente está o Assentamento Santo Antônio. Cabe em relação a esta unidade ressaltar o desempenho empreendedor dos agrônomos Eduardo Frick, Paulo Abero e Gardênio Brasil, servidores como José Gelson Oyarzabal, Carlos Feijó, Solemar Vaz, Manoel Leão Rosa e Anderson Dornelles.

O final dos anos 70 marcou o início do processo de assentamento de colonos, até então sem terra, no Assentamento Colônia Nova Esperança, o primeiro realizado no Rio Grande do Sul, durante os anos da ditadura militar. Hoje não é mais assentamento, pois os colonos ganharam a posse da terra em 1992.

No final dos anos 80 reiniciou do processo de colonização da região onde ainda existiam alguns latifúndios e o processo emancipatório.
Na instalação do município, em 1993, havia no município dois acampamentos de colonos sem terra. Um em áreas da EMBRAPA e outro junto a BR próximo ao trevo de acesso à sede do município. No final da primeira administração do município de Hulha Negra, segundo dados oficiais do INCRA, havia no município 235 famílias assentadas e não mais haviam acampamentos de sem terra. No final de 2004 haviam 870 famílias assentadas e 23 assentamentos.

Sem identidade histórico-cultural e muito mais próxima da sede de Candiota que de Hulha Negra, em 1994 iniciou um movimento no Jaguarão Grande com o objetivo de passar para o município de Candiota aquela região. Após processo de anexação na Assembléia Legislativa, a região passou para Candiota. A anexação se deu a partir de 01.05.1996. A área do município diminuiu de 1181,36 Km2 para 835, 52 Km², segundo a Secretaria da Agricultura e do Abastecimento, setor de cartografia, e a população oficial que era, em 1992, 7.351 habitantes, certamente superavaliada, passou para 6.012 habitantes em 2007/IBGE.

Esta é uma parte da história, aquela que conheço, e lembrei, construída a partir da iniciativa de alguns, porém, com o apoio dos Ritta, Cavalheiro, Feijó, Amaro, Coelho, Loguercio, Medeiros, Fernandes, Canto, Veiga, Costa, Scoto, Alves, Porto, Malaguês, Santos, Silva, Brasil, Baumbach, Mielke, Hartwig, Macke, Hoesel, Schneider, Hamm, Langer, Fürich, Martins, e tantos outros não citados, sem os quais não se teria construído esta história. Brevemente me propus a narrá-la, correndo o risco de ter esquecido detalhes importantes ou nomes expressivos. Não tive a intenção de ocupar o espaço dos historiadores que um dia haverão de narrar os episódios da nossa história. Porém, tendo convivido com muitos daqueles que lideraram os processos de transformação, me permiti escrever um depoimento com o único objetivo de apresentar um breve painel histórico.
Em 01.01.1993 foi instalado o município de Hulha Negra, com a posse do prefeito, vice e dos vereadores. A partir daí se começou a construção de uma outra história.

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